Conferência
“Uma leitura antepredicativa do argumento de Parmênides”
pelo
Prof. José Trindade Santos
4 de Fevereiro de 2013
11 h
Sala 5.2
“Uma leitura antepredicativa
do argumento de Parmênides”
A tradição da
metafísica ocidental – nomeadamente as concepções de ‘ser’ e de ‘saber’ –
assenta no Poema de Parménides, Da
natureza. No entanto, após a edição integral dos fragmentos do Poema, por
Hermann Diels (1875), nenhuma interpretação da mensagem do Eleata recebeu o
consenso dos comentadores.
Defendo que o
conflito que os opõe se deve à incapacidade da compreender a epistemologia
antiga, em particular, a evolução pela qual passa entre Parménides e
Aristóteles, a partir dos pressupostos da epistemologia actual. Para ilustrar
esta tese, partirei de um exemplo: a tese da infalibilidade do saber (epistêmê), corrente nos diálogos platônicos.
Começo por
perguntar como poderá a concepção de ‘conhecimento’ actual, que o encara o como
um processo que relaciona sujeito e
objecto admitir a possibilidade de um estado
cognitivo infalível? Para compreender a infalibilidade do saber há que buscar o
contexto em que se acha inserida na Antiguidade.
Os textos clássicos
documentam duas grandes polémicas no domínio da cognição. Uma está condensada
nas críticas que, na Metafísica A6,
9, Aristóteles dirige ao dualismo platónico. A outra é aquela com que, no Sofista, Platão critica a
ontoepistemologia eleática. Concentro-me nela.
Estão bem estudados
os argumentos desenvolvidos para reformular as teses da ‘unidade’ e
‘imobilidade’ do ‘ser’, mediante a introdução da ‘alteridade’. No entanto, os
contornos da epistemologia subjacente à argumentação aduzida no Da natureza continuam a suscitar dúvidas
aos intérpretes. Soam estranhas as teses que, a partir dos “dois únicos
caminhos para pensar” (ou “conhecer”: B2.2) – “que é” e “que não é” (B2.3, 5)
–, sustentam:
1.
a “impossibilidade de pensar/conhecer “o que não é”
(B2.6-8a);
2.
a “mesmidade” de ‘pensar’ e ‘ser’ (B3, B8.34);
3.
a proibição de “serem coisas que não são” (B7.1);
4.
a ‘unidade’, ‘ingenerabilidade’ e
‘incorruptibilidade’, ‘imobilidade’ e ‘imutabilidade’, ‘indivisibilidade’ e
‘completude’ de “o que é” (B81.49).
Defendo que estas
teses são inaceitáveis se “que é/que não é” (B2.3, 5) forem lidos
predicativamente, atribuindo ‘existência’ e ‘verdade’ a algo “que é” e negando-as a “o
que não é”. Contra essa leitura, interpretando a ausência de sujeito gramatical
em “que é/que não é” como indício de que as duas expressões não têm referente, leio
ambas antepredicativamente, como “[o nome] que é e [o nome] que não é”.
Se “que é” pode ser
pensado (B2.3), “o que não é” não pode ser pensado. Da contrariedade dos dois
caminhos resulta a decisão de abandonar “a via anónima e impensável” (B8.16-18)
e escolher “que é”, como o único [nome] cujo pensamento “é consumável” (B2.7),
da qual decorre a “mesmidade de ser e pensar”.
Nesta interpretação,
‘ser’ não é objecto de ‘pensar’, nem ‘pensar’/‘pensamento’ a faculdade que
capta o “ser” (B3, B8.34). Como objecto
interno do “pensar”, “o ser” é “o que pode ser pensado”, e “o pensar”o
estado cognitivo infalível em que “pensamento, pensar e pensado são” (B6.1a).
‘Verdade’ e ‘existência’ – como em B8 os “sinais” de “é” – são pressupostos
exigidos para pensar “que é” e não predicados atribuídos ao que existe (o mundo
físico, como a tradição posterior estabelecerá). A proibição de “[coisas] que
não são serem”(B7.1; logo, de “coisas que são não serem”) faz da ‘existência’
de “o que é” um pressuposto da cognodcibilidade de “o que é”. Se pensar “que é”
é verdade (B2.3-4), não há “pensamento falso”, apenas “não-pensamento”.
Entendendo o
‘pensar’como um estado cognitivo infalível, a leitura antepredicativa liberta o
ser eleático da carga referencial que o associa à realidade, cancelando as
dificuldades provocadas pela leitura da ‘existência’ e da ‘verdade’ como
predicados, que tornam incompreensível a infalibilidade do saber.
José Trindade
Santos
Universidade
Federal da Paraíba
Centro de Filosofia
da Universidade de Lisboa
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